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26 de Abril de 2024

Presídios: pelo fim da revista vexatória

Publicado por Luiz Flávio Gomes
há 10 anos

Você tem que tirar toda a roupa e agachar três vezes de frente, três vezes de costas. Um dia a funcionária me fez agachar quase 15 vezes. Ela disse que não estava conseguindo me ver. E falava: ‘faz força, abre essa perna direito’”, conta a vendedora P. De O., 27 anos, que durante dois anos visitou o irmão preso todos os finais de semana. “Sem contar quando pedem para você abrir seus órgãos genitais com as mãos. Tem lugar que tem até espelho. É tudo para humilhar, para constranger”, afirma P.”.

A luta “pelo fim da visita vexatória” nos presídios, promovida pela organização não governamental internacional Conectas-Direitos Humanos, é digna de irrestrito apoio.

Nas mãos do governador de São Paulo está o projeto de lei 797/13 (autoria do deputado José Bittencourt), que determina que a revista nos visitantes seja feita apenas por meio de equipamentos eletrônicos ou outros meios que preservem a integridade física, psicológica e moral do visitante revistado (bom senso inquestionável).

Este medieval procedimento (recorde-se que eram os padres inquisidores que vasculhavam as vaginas das “bruxas” para acharem sêmen do Diabo), quando usado fora da estrita e absoluta necessidade, é constitucional e internacionalmente vedado.

A Conectas afirma que, em 2012, 3,5 milhões de pessoas tiraram as roupas e abriram seus órgãos genitais com as mãos para serem revistadas em seus orifícios, sob alegação de barrar a entrada de armas, drogas e celulares nas celas.

Dados colhidos pela Defensoria Pública mostram, entretanto, que em apenas 0,02% dos casos foram encontrados materiais proibidos; “é evidente que esta prática abusiva é usada como mais uma forma de punição contra os presos”.

Milhares de mães, filhas, irmãs e esposas de pessoas presas são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos o ânus e a vagina para que funcionários do Estado possam realizar a revista. Bebês de colo, idosas e mulheres com dificuldade de locomoção são todas massacradas da mesma forma.

O senado aprovou recentemente lei proibindo a revista vexatória, tendo enviado o projeto para a Câmara dos Deputados. Legislativamente estamos avançando para adequar nosso ordenamento jurídico ao que já está previsto na CF e no direito internacional.

Lamenta-se que se tenha que regulamentar exaustivamente o assunto, para se pôr fim a uma prática medieval e cruel, que é puro exercício do estado de polícia (medidas administrativas de coerção direta).

O regimento interno da Secretaria de Administração Penitenciária (de SP) diz que a revista íntima pode ser feita “quando necessário” e “em local reservado, por pessoa do mesmo sexo, preservadas a honra e a dignidade do revistado”. A exceção (“quando necessário”) virou regra. Aqui está o abominável abuso, exercido em todo território nacional.

O que dizem as normas já existentes no Estado de direito?

A CF, art. , inc. III, diz que “ninguém pode ser submetido a tortura ou a tratamento cruel ou desumano”. A dignidade humana, de outro lado, é o valor-síntese do nosso Estado constitucional de direito (art. , III, da CF).

No plano internacional, várias são as normas jurídicas vigentes, destacando-se as dos artigos 5º (que proíbe medida degradante ou tortura assim como a transcendência da pena para outras pessoas), 11 (proteção da privacidade, da honra e da dignidade) e 19 (proteção das crianças), 24 (proteção das mulheres) da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Esses direitos não podem ser suspensos nem sequer em circunstâncias extremas (art. 27.2). O exercício da autoridade pública, de outro lado, tem obrigação de respeitar os limites do Estado de direito, que são superiores ao poder do Estado e inerentes à dignidade humana (art. 1.1 da CADH).

Para se estabelecer a inspeção vaginal (diz a jurisprudência internacional) deve o Estado cumprir quatro condições: (a) absoluta necessidade; (b) inexistência de nenhuma outra alternativa; (c) ordem judicial (em princípio); (d) concretização unicamente por profissionais da saúde pública.

Qualquer prática estatal abusiva, fora da estrita necessidade, é tirânica (já dizia Montesquieu, secundado por Beccaria). A Idade Média ainda não acabou. O malleus maleficarum ainda não desapareceu. Estejamos atentos.

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56 Comentários

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Concordo plenamente que revistas dessa ordem são vexatórias. Para evitar esse constrangimento, proponho proibir toda e qualquer visita a presos, até que se construa no país algo como nas prisões americanas, ou seja, uma janela de vidro grosso e inquebrável, na qual o/a visitante poderá conversar com o bandido preso através de um sistema eletrônico, devidamente monitorado e registrado. Nunca mais teremos constrangimento em nosso país. Topam? continuar lendo

Prezado Amadeu

Concordo plenamente e acrescento, sem visitas íntimas.
abraços continuar lendo

caro amadeu, está aí a solução, e ninguém poderia mais reclamar; a propósito, acho que este tipo de comunicação, "entre vidros", deveria ser usada também nas conversas entre o detido e seu advogado. continuar lendo

Concordo com suas colocações AMADEU. A revista intima existe pois armas (estiletes), drogas e celulares são levados para dentro de presídios nos "orifícios" femininos. Se tivermos um modo melhor, e viaável, de dar segurança ao sistema, proponham ! continuar lendo

O constrangimento já começa muitas vezes quando um cidadão é colocado numa viatura gradeada algemado apenas por suspeitas. Os chamados camburões deveriam acabar. É a presunção de culpa de um suspeito ao invés da prática normal que deveria ser a presunção da inocência. Mesmo que depois um detido seja considerado culpado, tal ação só deveria ser feita após o trânsito em julgado e nunca antes disso. Forçar alguém a entrar na parte traseira de camburões só deveria ser permitido em caso notório de recuperação de fugitivo que se evadiu de penitenciária. Nem mesmo no caso de prisão em flagrante deveria ser permitido tal constrangimento. O Estado Social de Direito deve prever viaturas que não causem constrangimentos e que o respeito a dignidade humana deva ser a praxe. No caso dos presídios deve ser decidido se se quer recuperar os presos e reinseri-los na sociedade ou se quer de fato eliminá-los do convívio com outros humanos. Neste último caso é melhor acabar com a hipocrisia e condená-los a pena capital alterando a CF, já que o pressuposto é que não há recuperação. Seria mais econômico para o contribuinte do que mantê-los vivos da forma tão degradante e quase irrecuperável como é feita atualmente. continuar lendo

Amadeu, você acertou em cheio na sua resposta. Infelizmente, as autoridades em geral parecem estar cegas para o progresso. continuar lendo

Alguém aí sabe se a mãe do Genuíno, do Dirceu, do M. Valério ou dos demais presos do mensalão ou de qualquer outro político que possa estar presa, ainda é viva?
Ou talvez, a mãe dos diretores dos presídios, as filhas, as irmãs, as tias, as esposas, as sogras, as primas, as cunhadas, as amigas ou amantes ainda são vivas?
Não que eu concorde com qualquer tipo de crueldade, mas nesse caso, gostaria que elas também passassem por revista íntima, ao adentrar os presídios.

Afinal, se todas as outras são consideradas suspeitas, elas também têm chances de terem características iguais, já que também podem ser chamadas de "mulheres de bandido" continuar lendo

Tem isso porque as pessoas que vão visitar os presos em sua grande maioria se fazem de "camelos" levando para dentro dos presídios armas, drogas, objetos, tudo quanto é coisa ilícita. E faz isso de maneiras duvidosas escondendo-as em lugares inimagináveis. Se o Estado ainda não dispõe de tecnologia suficiente para atender tal demanda. A revista se faz necessária. Claro, sem qualquer abuso de poder, sem qualquer discriminação, humilhação. continuar lendo

Prezado Gabriel ... Para sua decepção ou não... comprovado já foi que, a maior parte do ilícito que adentra nossas penitenciárias são levados por agentes penitenciários. Infelizmente. continuar lendo

Decepção de modo algum, prezada Esther, apenas requeiro se possível que me prove onde foi comprovado e como? continuar lendo

Não há visita que consiga levar tal quantidade de coisas pra dentro dos presídios apenas em suas "partes íntimas". E como fazê-lo se todo mundo fala nas tais revistas, que são feitas tão abusivamente, mas mesmo assim propiciam tanta "carga"? Vejamos: 1º) Se a revista íntima é feita sempre, em todos os casos, tão completamente que chega a ser vexatória, quem faz essas revistas? 2º) Onde é colocado e depois pra onde é levado todo esse material recolhido durante as revistas? 3º) O que sobra, depois das revistas, ainda é tudo aquilo que aparece na tv quando fazem revistas nas celas? Pra começar, poderiam me responder essas questões. Depois, eu teria mais um monte delas. continuar lendo

Estou e acredito muito que todos estão em busca de respostas, pois de perguntar estamos fartos. Por que o Brasil não é um país de primeiro mundo? por que temos um dos maiores índices de corrupção no mundo? por que a saúde não vai bem, a educação o transporte a infraestrutura e o saneamento básico? por que as crianças passam fome?...... Perguntas e mais perguntas. Quero soluções, SOLUÇÕES!!!! continuar lendo

Como já mencionei em outro comentário, o Estado de São Paulo possui plenas condições de inspecionar os visitantes que adentram nas unidades prisionais sem lhes causar o constrangimento da revista íntima.
Faço referida afirmação com base no fato de que, antes de me tornar advogado criminalista, fui agente penitenciário por cinco anos, infelizmente já fui obrigado a realizar revistas íntimas, inclusive em crianças, o que era muito constrangedor para mim mesmo, imaginem para quem se submete a este procedimento.
Recentemente o Governo de São Paulo adquiriu equipamentos de "Raio X", que podem evitar a revista manual em sacolas contendo produtos alimentícios e de higiene pessoal, bem como poderosos equipamentos "Detectores de Metais" que, regulados na sensibilidade máxima, não deixam passar sequer um zíper, ou um mísero botão de calça, além de "Banquetas Detectoras de Metais", capazes de identificar até uma moeda introduzida nas partes íntimas com o simples ato de a pessoa se sentar, ainda que vestida.
Acredito que a prática da revista íntima, contrariando às normas de Direito que visam a ressocialização do indivíduo preso, tem o objetivo principal de intimidar os visitantes e, com isso, diminuir o número de pessoas que visitam os sentenciados. Já houvi diversos familiares próximos a sentenciados (pais, mães e irmãos) afirmarem que não vão ao presídio para não terem que passar pela "humilhação da revista".
Portanto, sem embargo do prejuízo causado aos familiares, entendo que o Estado não está garantindo aos sentenciados os Direitos esculpidos na Lei de Execucoes Penais, nem tampouco na Constituição Federal, entre eles o "Princípio da Dignidade da Pessoa Humana".
Alguns, em detrimento dos estudos realizados pela defensoria pública, podem defender que está prática visa impedir a entrada de ilícitos nos presídios, mas eu posso afirmar com base em minha experiência e nas milhares de sindicâncias que são instauradas todos os dias em todo o território nacional:
"Existem drogas, armas e celulares no interior da maioria das Unidades Prisionais de todo o Brasil."
Então os leitores deste testo devem estar se perguntando: Se os visitantes passam pela "revista íntima", os agentes penitenciários e demais funcionários são revistados antes de adentar para o trabalho e os Advogados são submetidos a detectores de metais, além de não terem contato físico com os sentenciados (na maioria das unidades prisionais), como entra tudo isso nas penitenciárias?
A resposta só pode ser uma, através da CORRUPÇÃO"!
É importante que a legislação venha a regulamentar o procedimento para a entrada de visitantes, mas não se pode deixar de lutar contra esta famigerada corrupção. continuar lendo

Evandro bacana sua colocação. Mas infelizmente as pessoas que fazem comentários favoráveis a revista vexatória, na verdade desconhecem a realidade das nossas penitenciárias, falam sem conhecimento de causa! continuar lendo

Fico feliz em ver o depoimento de uma pessoa com experiência no assunto e uma visão realista e constitucional da situação. continuar lendo

Gostei de sua explanação. Mas infelizmente, conforme se verifica nos comentários acima, vivemos no país do quanto pior melhor.

Tem gente que acha bom que a coisa seja da maneira que é, e que usa sua realidade para julgar a do outro, e que vêm com maus olhos aqueles que lutam para que os excluídos tenham seu sofrimento amenizado.

Ninguém, vê que todos (se a legislação penal for levada a risca ou aumentar seu rigor) podem ter pessoas próximas que ingressarão o sistema carcerário.

Ou será que vivemos numa bolha onde ninguém bebe ao dirigir, ninguém sonega imposto, ninguém tenta corromper ninguém, ninguém procurar uma briga, ninguém corre o risco de atingir um carro em outra pessoa inadvertidamente, ninguém se droga, etc.

Atualmente, como advogado, vejo que muitos juízes já estão começando a agir como muitos comentaristas que expõem suas opiniões aqui (quanto pior melhor) tomará que eles vejam que o ódio e a vingança não nos levam a lugar nenhum. continuar lendo