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26 de Abril de 2024

Licença para matar: mais de 50 linchamentos em 2014

Publicado por Luiz Flávio Gomes
há 10 anos

No estágio de barbárie que ainda nos encontramos, alguns humanos concedem a si mesmos licença para matar pessoas (quase sempre impunemente, porque a polícia brasileira somente apura 8% dos homicídios no Brasil). Ainda assassinamos pessoas como se matam baratas. Isso ocorre de diversas maneiras: execuções sumárias (normalmente praticadas por agentes do Estado ou contra eles), grupos de extermínio, linchamentos, esquadrões da morte, justiceiros, jagunços, milícias, falsos super-heróis, limpeza social, tribunais do crime organizado etc.

O linchamento constitui uma nefasta licença para matar, sendo manifestação típica das massas (composta de todas as classes sociais; prova disso é que todas elas estão agora surfando na moda dos justiçamentos com as próprias mãos). O linchamento constitui uma evidência do nível de rebelião das massas desorientadas (precisamente pela carência, no país, de lideranças confiáveis). Este fenômeno veicula duas possíveis direções (veja Ortega y Gasset 2013: 142): (a) pode ser o trânsito para uma nova e inusitada organização da sociedade e da humanidade ou (b) uma catástrofe no destino humano. Não existe razão para negar a realidade do progresso (diz o autor citado); "porém, é preciso corrigir a noção que acredita garantido esse progresso. Mais congruente com os fatos é pensar que não existe nenhum progresso seguro, nenhuma evolução sem ameaça de involução e retrocesso. Tudo, tudo é possível na história (tanto o progresso triunfal e indefinido como a periódica regressão). Porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo cuja substância é o perigo. Ela se compõe de peripécias. É, rigorosamente falando, um drama". No Brasil esse drama tem coloridos distintos porque aqui a vida vale muito pouco.

Mais de 50 linchamentos ocorreram no Brasil no primeiro semestre de 2014 (veja Rosanne D'Agostino, no G1:http://g1.globo.com/política/dias-de-intolerancia/platb/). Um professor de história, em SP (André Luiz Ribeiro, 27), só se salvou da brutalidade macabra depois de (a pedido dos policiais) mostrar conhecimento (dar uma "aula") sobre a Revolução Francesa. A onda massiva começou com aquele adolescente negro acorrentado no RJ. Naquele mesmo dia setores da mídia (completamente sem noção) começaram a apoiar o justiçamento das pessoas com as próprias mãos. A intolerância e a animalidade das massas (de todas as classes sociais) culminaram em vários assassinatos, inclusive de pessoas completamente inocentes (como Fabiane de Jesus, no Guarujá, SP). "Foi algo surreal (disse o professor). Só acreditamos quando chega próximo de nós. Aí você vê que é muito real mesmo, esse ódio das pessoas. Essa brutalidade do ser humano."

"As pessoas que queriam me bater sabiam que não era eu, mas como meu irmão não era homem suficiente para estar ali, eu ia apanhar no lugar dele" (Mauro Muniz, 37, Araraquara-SP). A prática de assassinatos por multidões era comum na antiguidade, no tempo do estado de natureza (Hobbes), onde não havia lei nem autoridades locais. Na época da colônia, no Brasil, foram inúmeros os massacres (sobretudo de índios e negros). Tudo com a garantia da absoluta impunidade. A queima de bruxas, nos séculos XV-XVIII, foi o maior "linchamento" promovido pela Igreja (tratou-se da guerra contra o Satanás que, segundo a crença então corrente, copulava com as mulheres, transformando-as em bruxas). A origem da palavra linchamento (veja reportagem do G1) é atribuída a Charles Lynch, fazendeiro da Virgínia, nos Estados Unidos, que punia criminosos durante a Guerra da Independência em 1782; e ao capitão William Lynch, que teria mantido um comitê para manutenção da ordem no mesmo período. Em 1837, surge a Lei de Lynch (bater com pau), baseada nos atos do fazendeiro, usada para pregar o ódio racial contra negros e índios.

Na matéria do G1 são mostrados os inúmeros linchamentos de 1980 a 2006 (por exemplo: 1980, 31; 1984, 70; 1987, 75; 1991, 148; 1993, 69; 1999, 58; 2002, 25; 2005, 12 etc.). São incontáveis os motivos que levam algumas pessoas a massacrarem coletivamente outras: insegurança, caça às bruxas, homofobia, regime totalitário, divergências ou intolerâncias religiosas, racismo, corrupção, defesa da honra ou da família etc. A descrença no funcionamento das instituições sempre está na base dos linchamentos.

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118 Comentários

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Infelizmente, por mais triste que seja, esse é o resultado do sentimento de impunidade que as pessoas tem para si.
São pessoas que não creem mais na justiça, nem de que a obterão um dia e muito menos de que poderão ser pegos por ela.
Lamentável !!!
Retrocesso na evolução humana. continuar lendo

Cuidado. A última pessoa que relacionou isso ao sentimento de impunidade e à omissão estatal, foi execrada publicamente, inclusive pelo LFG ,como promotora do linchamento. Alguém ainda lembra? continuar lendo

Infelizmente não tem como não relacionar, embora na minha opinião nada justifica uma barbárie como essa.
É notório o escárnio dos criminosos em relação aos trabalhadores.
Ontem mesmo eu vi um garoto justificar o assassinato frio de uma adolescente, pelo simples fato dela ter esboçado uma possível reação ao assalto. Ele riu. A vida do cidadão de bem vale nada nas mãos dessas pessoas e, infelizmente, chega uma hora em que o povo que assiste a tudo isso, indefeso, acanhado, reage.
Mesmo um cachorro dócil avança e morde o dono se este o espanca demais, pois tudo tem um limite.
É claro que não se deve fazer justiça com as próprias mãos.
É óbvio que não podemos agir no calor do momento, temos que agir com razão e sensatez.
Há que se mostrar à população que esses crimes, pequenos, médios e grandes, são investigados, julgados e puníveis, independente de quem os tiver cometido.
Não faço apologia à violência, faço clamor à justiça cega que atinge a todos.
Se isso for crime, então "mea culpa". continuar lendo

Cuidado. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de noção do caos que anda o Brasil sabe que existe uma vaga noção de justiça por aqui. Por isso somos terceiro mundo.

Penso que não existe sentimento de impunidade, mas impunidade física, apalpável.

Um amigo meu estes dias me contou que teve um processo trabalhista que se arrastou por 15 anos... 15 anos... é possível? É justo? Tem sentido?

Mas fale mal de um marginal pra ver! Não concordo com linchamento, mas concordo menos ainda com a postura de nossas leis crentes que um marginal tem concerto. continuar lendo

Desculpe Andrea, mas acho muito superficial sua colocação. Por que existe "sentimento de impunidade", já parou para pensar nisto? A magistratura tem licença para roubar, enganar e ludibriar seu próprio povo? Se a policia só apura 8% dos homicídios, o Sistema Jurídico corrompido libera boa parte desses homicidas e encobre a corrupção de 99% dos casos levados aos CNJ e ao Poder Judiciário. Por isso, há mais bandidos por metro quadrado no Governo Executivo, Legislativo e Judiciário do que nas ruas. Hoje é o dia internacional de Nelson Mandela que celebra a liberdade, justiça e democracia. No Brasil, graças o Sistema Político e parlamentação da Justiça, estamos comemorando o horror a tudo isso com festa, velório e caixão! E nas Eleições 2014: Vamos celebrar os magistrados corruptos, covardes e ladrões que promoveram a parlamentação do Judiciário e venderam o Estado de Direito. Vamos celebrar a magistratura aberração e alimentar essa que é a real maldade... continuar lendo

Os exemplos que eu tenho, pessoais, com a justiça foi a de que sempre o "jeitinho brasileiro" prevalece em detrimento ao que é certo, principalmente se uma das partes tiver dinheiro ou interesse público.
Você fica à mercê de criminosos e corruptos que riem da sua cara e, são poucos os exemplos de justiça real, daquela que pesa as partes e denomina a culpa ao culpado, em vez de transferir a culpa para a vítima.
Ladrões que são presos e soltos no mesmo dia é fichinha, assassinos que sabem usar a lei ao seu favor, que fogem ao flagrante, pessoas que matam por dirigir embriagados e não são presos, ou são respeitados no seu "direito de não produzir provas contra si" mesmo caindo de tanta bebedeira. Menores entre 12 e 17 anos que fazem horrores e se riem por que terão suas fichas limpas depois de cumprir as medidas sócio-educativas... Enquanto essas pessoas tem direitos garantidos, o cidadão de bem, aquele que cumpre seus deveres, se veem reféns desses pilantras.
O que nós somos?
Pra que servimos?
Só para pagar impostos?
Ser ridicularizados por essa horda que nos considera um bando de otários que podem ser roubados, enganados e mortos a qualquer momento?
É triste... é revoltante, principalmente quando um calhorda desses chega até você sorrindo e fala que o que importa não é quem tem razão e sim quem tem um bom advogado.
Eu não acredito que haja justiça, eu acredito que há certos momentos em que alguém tem sorte de pegar um magistrado que ainda creia nela.
Como eu disse anteriormente, os exemplos pessoais que eu tive, foram desoladores. continuar lendo

Alex da Costa Mamed, eu me lembro do caso a que você se refere. Foi feita uma campanha midiática promovida por órgãos do governo, juristas, sindicatos, jornalistas, dentre outros. Isso por causa de um comentário de uma cidadã feito ao arrepio do momento. Fizeram parecer que a comentarista era muito mais criminosa do que os verdadeiros bandidos que assolam os cidadãos de bem desse país. Essa é uma nação onde as palavras chocam mais que as ações danosas dos marginais. continuar lendo

Tema bastante criativo, mas, como a mídia sensacionalista, baseia-se em exemplos de exceção, subestimando de forma simplista a capacidade de outrem.
A lógica filosófica chama isso de indução, ou seja, raciocínio cujas premissas têm caráter menos geral que a conclusão. continuar lendo

Só para dizer: Concordo com a Andrea Meira ! continuar lendo

Concordo com você Andrea Meira. As pessoas já não acreditam naquilo que só ela pode mudar, a justiça no meu ponto de vista tem duas: A divina e a dos homens, porém no que a lei permita - Pena que ainda sim tem advogados e juizes capazes de bular a própria lei facilitando os que menos precisam dela e dando aos que fazem o certo, a escolha em resolver da maneira que pode a sua "justiça". De fato é lamentável ver, constantemente, essa guerra fria interna que poucos conseguem se livrar. A sociedade está buscando meios práticos e esquecendo de fazer o que é certo. continuar lendo

Hoje um homem de 1,90 90kg de 17 anos, entra em sua casa, estupra sua mulher e filha, espanca você, atira só para ver o tombo, ri quando é preso e responde medida sócio educativa..... Sou a favor de enforcamento em praça pública de qualquer um que mate, torture e agrida um inocente por nada. A menor idade tem que cessar no momento em que você empunha uma arma e mata, neste momento você deixa de ser criança e se torna um assassino, e deve ser morto pois a sua vítima não terá uma segunda chance, porque você deveria ter???? continuar lendo

Apoiado 100%. Se houvesse a pena de morte a situação seria diferente. E o que dá pena é que não possa ser a FIFA a administrá-la. Aí não falteria dinheiro, os enforcamentos seriam televisionados, e teríamos uma justiça padrão FIFA. Hoje, ao contrário, nós somos caçados nas ruas, nossos filhos correm risco de vida a cada ida à escola, ou volta para casa, e nem dentro de casa ou do trabalho estamos livres de sermos assassinados pelos "coitadinhos dos infratores" que evitam cuidadosamente atacar membros da classe que os protege entusiasmadamente, como o nosso professor e os artistas, em seus carros blindados e cercados de seguranças. continuar lendo

Pena de morte talvez não fosse a solução. Teríamos uma caça às bruxas moderno. Mas o pai de família portar arma, isso sim. continuar lendo

O grande equívoco seria pensar que se houvesse a pena de morte o sistema penal brasileiro, num toque de mágica, mudaria o perfil persecutório, acabaria paradoxalmente com a impunidade condenando os ricos e os demais privilegiados que, segundo os próprios defensores da tese, sequer são submetidos à prisão.
Mesmo nos países desenvolvidos, o tema esbarra na questão da injustiça tanto em condenar quanto absolver 100 indivíduos à morte diante da possibilidade real de um inocente nessa trajetória sem volta.
Outro aspecto importantíssimo é que o infrator não hesitaria em matar todos que cruzassem seu caminho, principalmente a polícia, pela lógica do instinto primitivo em poupar a sua própria vida. continuar lendo

Seria bom se conseguíssemos começar a fazer um linchamento eleitoral em outubro, eliminando pelo voto políticos que nunca deveriam estar aonde estão. Tenho esperança, aos poucos é claro, de revertermos este sentimento de impunidade e injustiça que a colega Andrea Meira citou continuar lendo

Eliminando pelo voto em quem Senhor Francisco? continuar lendo

Todo o cuidado é pouco.
O linchamento de um não exclui a entrada de outro, abarcando aqueles que faturam em cima do insucesso alheio independe da capacidade própria.
Na oposição, usam a tática do "quanto pior, melhor".
No poder, justificam seus infortúnios culpando outrem. continuar lendo

Esse tipo de manifestação (linchamento) e sua repercussão entre a população, em muitos casos uma repercussão positiva, ainda que se queira ocultar o fato, deveria ser vista sob um ângulo mais aberto. E não com aquele típico "oh! que barbaridade" , dos intelectuais que, via de regra, não se misturam com o "povão". O sistema judiciário é mantido para servir (ele é servo e não senhor!) a população, principalmente aquela massa que move as engrenagens da cadeia de produção. Se a população, mais especificamente a "massa", começa a achar que ela mesma tem que fazer sua própria justiça (quem quer faz...), o maior culpado é o sistema judiciário, dentre outras instituições de alta esfera.
Bom, houve tempos em que a "massa" achou que suas lideranças eram meros parasitas. E cabeças rolaram... continuar lendo

Cabeças rolaram, e aqueles que eram oprimidos se tornaram opressores,de que adianta isso.
Não adianta simplesmente rotular o outro humano com base em pensamentos de varias gerações passadas, assim tu estas dando marge para que até tu sejas punido com a morte por um motivo qualquer . Do meu ponto de vista temos que construir um sistema mais justo daqui para a frente em que todos os setores sejam subordinados ao povo baseado na tolerância e na educação e não no ódio assim como o senhor quer.
Eu não tenho pai, nasci em uma vila extremamente pobre de Porto Alegre, e acredito em um mundo em que um punhado de idéias (não importa a motivação política) fascistas não são a solução para os atuais problemas. continuar lendo

Lembrei de alguns filmes recentes onde há separações nesse molde. A felicidade de um é o desastre do outro e assim por diante. Aí se forma uma côrte. continuar lendo